Paredes

Trancafiaram Jesus. Presbiterianos, Batistas, Metodistas, Luteranos, os da Assembleia, da Maranata, da Quadrangular e de todas as cadeias evangélicas, são os culpados por este infortúnio. Enquanto que, para a Igreja Católica, não haver salvação fora de suas paredes é uma doutrina pública, para nós, cristãos não tão protestantes assim, é um dogma tácito e silencioso. Mas dizer que Jesus está contido apenas na pregação institucional do movimento evangélico e que Aquele só pode ser crido através deste, parece lógico e indiscutível, porém, tal compreensão só constrói limites a um Deus que se utilizou e ainda se utiliza de vários meios além da escrita e da oralidade religiosa.
É fácil subir ao púlpito e dizer que, por exemplo, os povos americanos e pré-coloniais Astecas, Maias e Incas estão queimando no inferno, baseando-se na carrasca interpretação de Romanos 2:12. A conclusão destes que assim entendem, é que se nem a catequese do Catolicismo europeu e nem os missionários reformados os alcançaram a tempo, estas civilizações se perderam nos anais da idolatria pagã. Parece-me, no entanto, que esta elucidação está rodeada de ignorância histórica. Com relação aos Incas, por exemplo, tem-se notícia que Pachacuti, o rei deste povo tribal entre os anos 1438 e 1471, em determinado momento de seu império, começou a questionar a adoração a Inti (o Sol) e, a partir de suas reflexões, concluiu que este não poderia ser Deus porque realizava tarefas definidas como nascer e ser pôr, e porque qualquer nuvem podia diminuir sua radiação. Para ele, nada disto era digno de uma divindade a ser reverenciada.
Pachacuti, então, resgatou repentinamente um valor espiritual esquecido de sua cultura: Viracocha – o Senhor, o Criador onipotente de todas as coisas. Viracocha havia sido considerado pelos ancestrais incas da geração de Pachacuti como o único Deus que se deve adorar. No entanto, seus descendentes desviando-se em direção ao politeísmo pagão, colocaram este Deus em um baú de antiguidades e o ignoraram pelas décadas seguintes. Pachacuti, por conseguinte, ordenou que se voltasse o monoteísmo e a adoração a Viracocha, o Deus dos céus. Até aqui nos interessa (para ler o contexto desta história e sobre os conceitos de “Deus” em outros povos não evangelizados, leia o livro “O Fator Melquisedeque” de Don Richardson). Entrementes, as perguntas que darão um nó em seus neurônios religiosos são as seguintes: Viracocha poderia ser o Yahweh dos judeus? Ele poderia ser o Pai de Jesus? O Deus dos cristãos? Sem dúvida que sim. Deus não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo aos povos (At 14:16-17).
Foi o próprio Jesus que afirmou ter ovelhas em outros apriscos fora do aprisco Judaísmo-Israel-religão e possivelmente do Oriente Médio (Jo 10:16). Paulo diz que “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo.” (Rm 10:17), mas ao que parece, ele, no contexto de suas epístolas refere-se, neste sentido, à pregação ao mundo regional em que vivia, pois por duas vezes ele diz que o Evangelho já fora ou está sendo pregado em todo mundo (Rm 1:8;Cl 1:23), o que literalmente não era a realidade. Então, o Cristo, só poderia ser pregado por homens quando estes eram enviados e, por conseguinte, só até aonde os mesmos poderiam chegar (Rm 10:14,15). Àquela altura das missões transculturais, o apóstolo dos gentios, limitado por sua ignorância geográfica, não sabia da existência da América, da Oceania, do Norte da Europa e do extremo leste da Ásia.
É neste momento, então, que ele se torna adepto das palavras do Salmista Davi e humildemente assume: “Mas pergunto: Porventura, [estes outros povos] não ouviram? Sim, por certo: Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; NO ENTANTO, POR TODA A TERRA SE FAZ OUVIR A SUA VOZ, E AS SUAS PALAVRAS, ATÉ AOS CONFINS DO MUNDO” (Sl 19:1-4; Rm 10:18). E é neste espírito democrático e nesta direção universalista que escrevo este artigo. Afirmo que há, indiscutivelmente, na história redentora até aqui, maneiras discriminadas de Deus para se achegar ao homem, elegendo Ele, em determinadas épocas, meios oficiais para tal aproximação, mas, jamais excluindo deste processo, as exceções à regra, isto é, as relações e filiações extraoficiais.

Quem era Melquisedeque? Quem era este indivíduo, rei de Salém? Como ele poderia ser considerado sacerdote do Deus Altíssimo, visto que, até o momento, a revelação estava concentrada e contextualizada em Abrão, o pai da fé? Como este pode dar dízimo àquele? E como aquele pode abençoar este? (Gn 14:18-20) Deus havia se dado a conhecer a um rei entre os cananeus, notórios pela sua idolatria, sacrifício de crianças, homossexualidade legalizada e prostituição no templo. Veja como o Deus Altíssimo não pode existir contido em masmorras institucionais. A salvação da alma, concordo, ocorre apenas e exclusivamente por meio do nome de Jesus. Entretanto, não estou discutindo tais nuances aqui. O fato é que, quando Paulo diz que “todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão;...” (Rm 2:12), o mesmo admiti posteriormente que há um modo de ter e de se guardar a lei, sem o canal da escrita, dos órgãos da revelação e da formalidade judaica.
Ele adverte: “Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada NO SEU CORAÇÃO, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se.” (Rm 2:14,15). Mas o que dizer sobre estas pessoas, então? Pode-se dizer que resta para elas uma esperança salvífica, em nada diferente da que salvou as gentes enquanto reinava a morte no mundo, ou seja, de Adão até que a lei fosse exposta a Moisés (Rm 5:14), pois se "os que sem lei [expressa, escrita e pregada] pecaram e sem lei perecerão", como é possível entender a declaração paulina de que “o pecado não é levado em conta quando não há lei” (Rm 5:13)? Entenda, portanto, que quando Jesus morre na cruz do calvário em Israel, sua morte é uma expiação limitada aparentemente apenas aos que a compreendem e que, pela mesma, comungam. Entretanto, quando o cordeiro é imolado antes da fundação do mundo, há, para este mundo, um significado de salvação além das fronteiras, dos tempos, dos povos e das línguas.

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