Éden, ética e ecoespiritualidade

Fomos jardineiros contratados pelo proprietário da casa. Ele fornece os insumos, e nós, a mão de obra. Foi assim o contrato verbal selado com o primeiro responsável pela manutenção do jardim. O Éden foi uma maquete natural do Planeta Terra, e, portanto, não necessitava de uma gestão mais qualificada que a de Adão. Dar nomes aos animais daquele ecossistema era o suficiente (Gn 2:19,20), posto que pra isto, Adão só precisou de tempo, não de planejamento. Por conseguinte, refletir se o Éden foi no Iraque ou na Armênia, não nos interessa. O que importa é saber que a relação homem-jardim agora é global e que tempo é um luxo do qual não dispomos em demasia.

No início da formação da civilização humana, o Homo Sapiens, enquanto indivíduo em descoberta de outros habitats e espaços geográficos distintos, concebeu e deu forma a instrumentos funcionais aos quais damos o nome de "ferramentas". Estes objetos, formados, na maioria das vezes, da fusão de pedra, cipó e madeira, eram usados para abrir frutos maciços, mexer a terra, caçar animais, pescar em rios, dentre outras atividades inerentes à alimentação. As ferramentas eram a extra-corporificação dos próprios braços, e foi a partir delas que aconteceu a primeira onda de transição social do homem, ou seja, o homem deixava de ser nômade, andarilho e desbravador, para tornar-se sedentário, fixo e agricultor. A Revolução Agrícola foi o primeiro rompimento do homem com suas atividades de sobrevivência e labor tradicional.

A partir de 8000 a.c – segundo datações de registros agrícolas – a agricultura manteve-se em hegemonia, como principal núcleo familiar, tribal e comunitário, até os séculos XVII e XVIII. Cuidamos bem da Terra até aqui. A agricultura ferramental utilizava-se da natureza como a própria natureza se utiliza de si mesma, isto é, sem desperdícios evitáveis, sem alteração química e artificial de elementos, com utilização sustentável de recursos, com extração controlada pela necessidade. Os agricultores tratavam a natureza e o solo como entes mantenedores da existência humana. O calor e o frio, a chuva e a seca, o dia e a noite, eram mutações normais da "Mãe Natureza" em favor de todo e qualquer processo agrícola. Estas forças naturais, no entanto, não podiam ser, por ausência de evolução intelectual, vilipendiadas pela ação tecnológica do ser humano.

Mas, então, em 1712 disse o homem: haja o motor, e houve o motor. Mas viu Deus que isto não era tão bom. Neste momento em que a estrutura da macrossociedade ainda estava alicerçada na terra, surgia, então, uma nova e inédita abstração do homem: o motor a vapor. Criado por Thomas Newcomen, o motor a vapor tinha como fluído de trabalho o vapor de água sob alta pressão e temperatura. Necessitando de água para produzir vapor, deste para fabricar energia e desta para gerar força mecânica, esta invenção foi, inconscientemente, a extra-corporificação do estômago humano. Posteriormente, o motor de combustão interna veio representar melhor esta inevitável comparação. E foi ele que proporcionou ao mundo, a segunda onda de transmutação tecnológica humana, marcada pela tão faraônica Revolução Industrial.

A Revolução Industrial foi a mudança mais transformacional do milênio. Seguindo a sua causa, a maquina passou a ser amplamente experimentada e usada em processos produtivos de todo o mundo comercial. O foco deixou de ser o produto encomendado e passou a ser a produção em massa. Mediante tanto desenvolvimento em breve espaço de tempo, as cidades, com suas indústrias e urbanidade tóxica, começaram a conhecer a poluição em escala. A queima do carvão mineral despejava na atmosfera dos centros industriais europeus, toneladas de poluentes. E do Reino Unido para o mundo, não demoraria muito para as fábricas se aproximarem e se instalarem como organizações protagonistas deste novo cenário mundial. Lentamente, o Éden começava a ser desfazer.

E o processo começou a todo o vapor. O homem se colidiu com novas técnicas de automação e não se fez omisso. Concluiu que não é necessário calejar as mãos para arar a Terra ou colher frutos. Descobriu que precisava de funcionários somente para controlarem seus brinquedos de ferro. A burguesia não mediu esforços para a maximização do processos produtivos. Não mensurou as consequências de um investimento implanejado, mas frenético. Então, foi inevitável que o planeta chegasse até a nossa contemporaneidade implorando socorro. Por não cessar de substituir as baterias vivas, ou seja, a força de trabalho humana, por fontes de energia automáticas, o custo tornou-se proporcional ao lucro. Queimar combustíveis, emitir gases, matar e desmatar floras, extinguir espécies da fauna, produzir excesso de lixo, secar fontes, poluir mares, dentre outras mazelas, se transformaram nas ações ávidas do industrialismo.

Então, as reações não puderam se esconder por muito tempo. A emissão progressiva de poluentes na atmosfera ocasionou na abertura de um buraco na camada de ozônio, que permitindo uma maior entrada de raios solares, tem gerado a expansão gradual da temperatura na Terra, esta, por sua vez, faz com que este aquecimento global proporcione o derretimento das geleiras, e estas se desfazendo, aumentam o nível natural dos oceanos. Este nível, em estado de crescimento, provoca um distúrbio no ciclo original dos mares, construindo pequenos ou maiores "tsunamis" imprevisíveis e descontrolando os ventos já mapeados, os quais podem se transformar em furacões, tufões, tornados ou ciclones mais ou menos periódicos. Todos estes efeitos somados ao extrativismo vegetal ilegal, à contaminação do solo e das fontes e afluentes naturais de água doce, e da produção, também em massa, de lixo de matéria prima não renovável, nos levaram ao apogeu do problema.

Assim, creio que o "hoje" se tornou tarde para nós, mas o Sol ainda não se pôs sobre nossas cabeças. Há tempo, mas sem planejamento, há perda de tempo. Por isto, precisamos evocar a ética e a ecoespiritualidade como padrões primazes de conduta e engenharia. Para tanto, a ecoespiritualidade se encaixa primeiro nesta busca perene pela saúde do planeta. "Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden PARA o cultivar e o guardar." (Gn 2:15). O Éden, como supracitado acima, era o estereótipo do Planeta Terra. Adão, por outro lado, era o cabeça conjectural da raça humana e de toda a criação, no qual estavam depositadas todos os fins da racionalidade e do progresso. Portanto, quando Deus revelou o seu propósito em colocar o homem naquele jardim, ele estava optando por desmitificar o ideal teológico de que a providência e a preservação da vida não tem nenhuma participação cooperativa do ser humano.

Por conseguinte, Adão escolheu desobedecer ao Criador, trazendo morte e imperfeição às realidades criadas. “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou (Adão), na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora” (Rm 8:19-22). Daí, a necessidade de uma espiritualidade saudável e opulente, antes da conexão cristianizada e espiritual com o Criador, trata-se de uma consciência ecológica e cósmica. Deus será descoberto em todos os processos da vida, em sua evolução natural e cultural. Jesus, como imagem e função de restaurador, não veio tornar os humanos cristãos, mas tornar os cristãos humanos – homens à sua imagem.

Nós somos os jardineiros. Ao contrário dos protestos da Igreja Católica, nós é quem devemos transpor o rio São Francisco para o Nordeste setentrional. Nós podemos trazer de volta à vida, a espécie do mamute encontrado com sangue preservado em estado líquido, em uma ilha ao Norte da Sibéria. Nós temos a permissão de transformar água salgada em água doce, através do processo de Dessalinização criado por Israel. Nós devemos explorar o espaço, os astros, o núcleo da Terra. A ciência é o instrumento intelectual de providência que Deus concedeu a Adão e seus descendentes. Ela é o suprassumo dos insumos para o trabalho. E é com ela que devemos consertar as próprias consequências de seu mau uso.

A responsabilidade é nossa. O âmago da questão não é a impotência, pois esta não existe, mas sim a escolha: manter-se indiferente ao desfalecimento do planeta ou recorrer às nossas capacidades para reverter o quadro. E como disse a própria teoria do caos: “Consta que algo tão pequeno, como o voo de uma borboleta, poça causar um terremoto no outro lado do mundo.” Os efeitos de nossa omissão é a gênese do juízo final: “E haverá em vários lugares grandes terremotos, e fomes e pestilências; haverá também coisas espantosas, e grandes sinais do céu.” (Lc 21:11); “E haverá sinais no sol e na lua e nas estrelas; e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas.” (Lc 21:25); “E farei aparecer prodígios em cima, no céu; E sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumo.” (Atos 2:19).

Não pense que estes textos tratam de ações intrinsecamente espirituais de Deus, desconexas com as ações do homem em detrimento da Terra, pois os mesmos narram consequências humanas e não providências divinas. É sabido por todos que peixes estão morrendo com câncer, que a chuva está cada vez mais ácida, que riachos estão secando, que as estações do ano estão em caos de organização. O cenário que Pedro previu em sua segunda epístola, já começa a bater às portas com o Aquecimento Global (a primeira alegoria da justiça de Deus): “Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas. Visto que todas essas cousas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade,...” (2Pe 3:10,11).

Chegamos à raiz do problema: a ausência da ética. A falta de um “santo procedimento e piedade” não se referem somente ao pecado e à santidade na prática. A ética é o fator que opta sempre pela preservação dos princípios que protegem a vida. Se existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos para padronizar mundialmente o comportamento ético referente à sociedade, ao trabalho, à cidadania e a outros mais, há também um documento importantíssimo no que tange à ética para com a natureza. Falo da Carta da Terra. A Carta da Terra é o resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados. Seu projeto começou como uma iniciativa das Nações Unidas, mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil. Em 2000, a Comissão da Carta da Terra, uma entidade internacional e independente, concluiu e divulgou o documento como a carta dos povos.

Desta feita, podemos concluir que assim como Deus dá chuvas e estações frutíferas a todos os povos, independente de suas crenças e devoção (At 14:16-17), a ética ambiental também deve partir de todas as nações e culturas, sejam estas cristãs ou não. Para tanto, os cidadãos de culturas pagãs tornam-se indesculpáveis, visto que os frutos, o verde e a fartura estão sobre eles da mesma forma. A ética sustentável, sobretudo, está fundamentada na preocupação com as gerações futuras. Ela depende de um vislumbramento a longo prazo do cenário global em que os descendentes dos preocupados deverão sobreviver. Portanto, a ética ecológica é, a priori, um cuidado com os próprios filhos dos filhos e, a posteriori, trata-se de um carinho para com aqueles que junto aos primeiros, darão prosseguimento à existência de nossa raça.

Contudo, aos homens, conscientes ou inconscientes de seu dever para com o Éden, firma-se o contrato com o dono da casa, para prestação do serviço de jardinagem. Para isto, convoco, a princípio, as igrejas cristãs, os movimentos paraeclesiásticos, as comunidades protestantes, as entidades católicas, as sociedades bíblicas e todas as que a estas se assemelham. Em segundo plano, grito às demais pessoas deste planeta, que aqui residem e que dos recursos do planeta sobrevivem. Se você mora em uma estação espacial, não falo com você. Se você não se alimenta ou não mantém seu organismo vivo com insumos da natureza, também não lhe dirijo aqui a palavra. Dialogo com aqueles, que dependem dos animais e das plantas, do Sol e da Lua, da Camada de Ozônio, da água doce, de um clima favorável. Falo com aqueles, que com estes entes em estado perene de desequilíbrio, não poderão reler este texto daqui a algum tempo. É necessário planejamento e prevenção, não remediação. Para tanto, penduro hoje uma placa nesta casa abandonada: PRECISA-SE DE BONS JARDINEIROS.

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