Pra não dizer que não falei dos amigos

É observado nos relacionamentos humanos que enquanto o amor serve para que as partes se completem existencialmente, a amizade existe para que os indivíduos que dela são protagonistas, se reafirmem em personalidade. Relações amigáveis, portanto, pressupõem semelhanças comportamentais, de pensamento e de gostos ou desgostos. No entanto, assim como no amor conjugal ou pré-conjugal é preciso que haja estas mesmas semelhanças, sendo estas também as características da amizade entre um casal, há, da mesma forma, um caminho sobremodo excelente pelo qual se deve trilhar na formação de uma amizade não conjugal. É que, na verdade, este tipo de amizade não deveria excluir o sentimento supostamente exclusivo de casais: o amor. Repare que Jônatas passa a amar a Davi como à sua própria alma (1Sm 18:1).

Desta compreensão, surge para nós um panorama afetivo mais completo, isto é, pode-se amar um amigo e pode-se também ser amigo de quem se ama, neste último caso, um namorado, uma noiva ou um cônjuge. A priori, a amizade fundamentada em amor, gera confiança e confidência (Jo 15:15); produz presença indiferente aos momentos (Pv 17:17); traz alegria ao coração (Pv 15:30); e garante qualidade superior à de irmão em detrimento de quantidades superficiais (Pv 18:24). Sobretudo, o amigo que ama é aquele que aponta o caminho de morte, e que no dia mau se posiciona diferente daqueles que mais se parecem “inimigos fraternos”, por se omitirem ou apenas balançarem a cabeça. Este amigo executa, assim, o conselho de Salomão: “Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos.” (Pv 27:5,6).

É ideal, no entanto, que outro aspecto seja peculiar em uma amizade como a que acabamos de apresentar: o da tangibilidade no contato, ou seja, a presença física, a proximidade e os encontros periódicos são essenciais. Não dá pra ser amigo de verdade através do face, da webcam, do skype, do celular, de e-mails, MSN ou qualquer outro meio virtual aparentemente eficaz para isto. “Mais vale o vizinho perto do que o irmão longe.” (Pv 27:10). “O Senhor falava com Moisés face a face (e não face a face), como quem fala com seu amigo;...” (Ex 33:11). Este é um princípio importantíssimo pra se preservar na pós-modernidade. A melhor operadora ainda é o encontro, com “fale ilimitado” ilimitado mesmo. Jamais troque uma mesa de lanche e risadas por uma sala de bate-papo. Não barganhe suas amizades com perfis de redes sociais.

Por conseguinte, ore sem cessar por seus amigos. Nem sempre eles serão crentes, de sua igreja ou de sua mocidade. Neste caso, ore por eles mais ainda. Queira que, pela fé, eles, um dia, sejam chamados “amigos de Deus”, como foi o próprio Abraão (Tg 2:23). É óbvio que há um grau limite para que nos relacionemos como verdadeiros amigos de indivíduos ainda incrédulos, mas este grau não deve se diminuir apenas ao “Bom dia!” ou ao “Como vai?”. Um impedimento que envolve diretamente a amizade dos crentes com os ímpios é aquela mesma discriminação judaica pelas massas sociais diferentes de seu padrão, ou seja, por homossexuais, eunucos, prostitutas, samaritanos, publicanos, mendigos, enfermos e demais pecadores. Não confunda “conviver”, “amar” e “ser amigo” com “andar no conselho dos ímpios” ou com “se deter no caminho dos pecadores”. A seletividade e a formação de panelas e grupos fechados excluem em todos os ângulos os valores do acolhimento, da graça, do evangelho, e da certeza de que é Deus que coloca estas pessoas em nossa caminhada.

É assim que deve ser: o amor na amizade e a amizade no amor. Os dois sentimentos devem andar de mãos dadas, em abraços, apertos, palavras, lágrimas, sorrisos e dias nublados. Entretanto, numa sociedade machista e de hegemonia masculina como é a brasileira, o homem sai perdendo neste sentido. Talvez pelo empirismo da ideia barata e de cunho maldoso da “boiolagem”. Contudo, há de se perceber que esta é apenas uma realidade local, temporal e coletivamente subjetiva. Os varões judeus, por exemplo, se cumprimentam com o ósculo santo (um beijo no rosto), que é uma saudação cultural e religiosa, mas que normalmente evidencia a afeição mútua de uma amizade fortificada. A você, portanto, que buscar amar verdadeiramente os seus amigos, ser-lhe-á concedido lealdade, compromisso, silêncio, cobertura e encaramento de seus companheiros, considerando que só isto fará com que ambos entendam como Jesus pôde dar a vida por suas amizades (Jo 15:13).


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