Com
bastante assiduidade, observo que há um dualismo de opinião no que concerne ao
modo mais bíblico de se testemunhar a fé cristã para as pessoas, a fim de que a
singularidade do evangelho seja comunicada por meio da convivência, da amizade
ou da intimidade. Neste sentido, desejo restringir a minha abordagem apenas ao “testemunho”
comportamental e visual, ou seja, aquele que transmite o Reino de Deus sem a
presença da comunicação oral e da verbalização. É como disse São Francisco de
Assis: “Pregue o evangelho em qualquer situação; se necessário, use palavras.”
A
partir desta perspectiva, podemos dizer que ser testemunha do reino de Deus não
é uma opção para o cristão, mas uma condição inerente ao seu estado de
conhecedor do mundo espiritual. Sendo assim, resta-nos a sublime tentativa de
avaliar e escolher o melhor “como testemunhar” à luz da Escrituras. Para mim,
testemunhar é, sobretudo, se camuflar para permanecer em consonância com o
indivíduo ou com o ambiente alvo do testemunho, sem, contudo, se contaminar com
o contexto, neles, presente. Paulo assumiu para si este método:
“Procedi,
para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para com os que
vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que
vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se
eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de
Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com
os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim
de, por todos os modos, salvar alguns.” (1Co 9:20-22).
Fazer isto é adotar o mesmo vocabulário sem os mesmos significados; é admitir o mesmo vestuário sem as mesmas insinuações; é assumir o mesmo estilo de vida sem a mesma cosmovisão da vida. Não se preocupe! Não é tão difícil. Esta é uma missão temporária e restrita aos princípios da necessidade e da proporcionalidade. Paulo, por exemplo, logo após proibir a circuncisão de qualquer novo discípulo, teve que circuncidar Timóteo a fim de que este fosse aceito pelos judeus (At 16:1-3). Manobras como esta, são o que caracterizam uma consciência madura e pronta para o verdadeiro testemunho.
Entretanto,
apesar de ser militante por este conceito de “testemunho”, eu disse que há um
dualismo para com esta questão, ou seja, uma maneira oposta de se enxergar e
aplicar a pregação não verbal no cotidiano. Bem, esta outra definição em pauta,
refere-se ao discurso do “somos separados”, do “não se mistureis” e do “sede
santos”. Seu “modus operandi” baseia-se na crença de que os indivíduos só se
convertem quando veem uma coerência em ser diferente ou quase extraterrestre.
Digo isto porque os adeptos desta ideologia têm suas próprias roupas, seu
vernáculo ímpar – o evangeliquês – as pessoas as quais não cumprimentam e os
locais aonde não vão.
Mas
isto, na verdade, é um sectarismo sutil. E seus fiéis, apesar de não admitirem
tal alcunha e de se considerarem “puritanos” e “conservadores”, são conhecidos
como legalistas. Se no Islamismo existem os xiitas, no Cristianismo existem os
“chaatos”. E ambos são os mesmos fanáticos, deterministas e intolerantes de sua
religião. Os primeiros explodem seus corpos, os últimos implodem suas almas. Ademais,
o jugo que os legalistas cristãos produzem para si mesmos e para os que os
observam, é tão árduo que Paulo foi obrigado a adverti-los:
“Se
morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no
mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não
toques naquela outra coisa, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois
que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm
aparência de sabedoria, como culto de si mesmo e de falsa humildade, e de rigor sacrificial; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade [ou contra
qualquer outro pecado].” (Cl 2:20-23).
Bem,
estes são os extremistas da fé protestante, que se contaminaram
com a pseudoverdade de que é necessário vestir roupas consideradas descentes,
proferir palavras consideradas puras e viver entre sua comunidade como se o
mundo não existisse, para que este mundo consiga ver neles a positividade de
ser cristão. Coitados! Estão ludibriados pela mesma inclinação segregacionista
da casta dos fariseus dos tempos de Jesus, que aplicava a burguesia religiosa
como um método de aproximação ou de proselitismo para com os de fora.
Insuportável incoerência!
Falando
em Jesus, podemos nos lembrar de João Batista. Estes dois personagens do Novo
Testamento caricaturam da melhor forma este dualismo entre “testemunho de relação”
e “testemunho de separação”. Jesus passou todo o seu ministério na periferia de
Israel, comendo e bebendo com os publicanos e pecadores, ao passo que João
Batista não comia pão, nem bebia vinho, além de se isolar no deserto longe de
quaisquer relacionamentos com o mundo (Mt 11:18,19). Agora me responda: quem
você acha que testemunhava do Reino de Deus da maneira como deveria e deve ser:
o discípulo ou o mestre? João ou Jesus?
Por
fim, jamais confunda “conviver”, “ser amigo” e “amar” com “andar no conselho
dos ímpios” ou com “se deter no caminho dos pecadores”. Para tanto, se for
viver numa comunidade nudista, esteja nu. Se andar por entre os hippies e
ciganos, colora suas roupas, fale gírias e sintonize seus gestos. Se chamarem
você para um rolé, compre um skate e corte suas calças. Se subir na favela ou
entrar num condomínio fechado, adeque-se sem perder o brilho. Sobretudo, mostre
ao mundo que não existem palavras, vestes, gestos ou estilos proibidos por
Deus, pois “o reino dos céus é semelhante a uma rede que, lançada ao mar,
recolhe peixes de toda espécie.” (Mt 13:47); e que quando pescados, não será
preciso a mudança de espécie, mas apenas a de direção.
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