ARGUMENTOS - O mundo é feito deles

Constatei, já há bastante tempo, que a capacidade de argumentar em favor daquilo que se pretende defender, é uma habilidade que não pode ser desenvolvida, pelo menos não nos limites mais extensos do seu alcance, pelo mero raciocínio lógico ou pela observação enxuta dos fatos. É inegavelmente necessário estudar a propedêutica da filosofia, de onde emana os instrumentos científicos de apreensão da verdade para todas as outras ciências e para a qual todas elas convergem de volta. Identifiquei, ainda, que muitos senhores tidos como "acadêmicos", "letrados", "educadores" e "cientistas sociais" Brasil afora, sabem bem rastaqueramente do que se trata uma oratória preenchida com uma retórica contundente ponto a ponto. 

O mundo é guiado pelos argumentos, isto é, pelo poder do convencimento. Assim sendo, torna-se consideravelmente relevante para o êxito pessoal que qualquer sujeito conheça razoavelmente a âncora introdutória da argumentação científica, catalogando, para tanto, as definições de lógica, sofisma, falácia, paradoxo etc., além de saber que "de um fato não se deduz um valor"; que "a parte não caracteriza, necessariamente, o todo (nem o inverso)"; que "o elemento deve ser observado integralmente para ser apresentado como real"; que "espaços-tempos diferentes podem produzir realidades divergentes"; que "probabilidade não é sinônimo de factualidade", dentre uma vastidão de outros princípios.

Quantas pessoas não imaginam que, por estarem inseridas em núcleos acadêmicos diversos ou em esferas de debates constantes, têm oratória fluente e retórica aplaudível! Veja: um professor mentecapto de uma matéria inicial de determinado curso, conclui que, porque todos têm ou podem ter opiniões discrepantes, a verdade é relativa e não absoluta. Puxa vida! Afirmando isto, o professorzinho em questão, que deveria ser o primeiro protagonista do nivelamento superior de seus alunos, não só está caindo na mais lúgubre das incoerências, permitindo que qualquer calouro constate que ele, na verdade, está propondo uma sentença absoluta, como também, mais contraditoriamente ainda, está autorizando a todos que discordem dela, pois a verdade, segundo ele, é relativa.

Este tipo de gente é capaz de ignorar a estrutura lógica própria do argumento que eles mesmos proferem. Você já deve ter se deparado com situações em que foi preciso evocar as palavras, ipsis literis, de uma regra, a fim de lembrar as pessoas de como as coisas devem ser feitas. Aí, então, surge sempre do meio da massa ouvinte uma voz dissonante que, com o tom de descobridor do átomo, estufa o peito e vomita: "mas toda regra tem exceção". Humm! Você coça a cabeça, conta até três e, para não ser grosso, reexplica a regra apontando para a moralidade de se fazer o que é certo. Na verdade, nem precisava. Se é regra que "toda regra tem exceção", então, esta própria regra tem exceção, logo, haverá regras paras as quais não haverá exceção.

É possível escutar outros absurdos como este em debates amadores sobre a existência de Deus. De um lado, um jovem idiota que se diz ateu por dedução lógica, mas que o é por ter tomado as dores das vítimas de guerras religiosas, da pedofilia na Igreja Católica e do enriquecimento ilícito de muitos pastores evangélicos (como se Deus tivesse matado, assediado e roubado o dinheiro do povo); do outro, um religioso legalista que nunca leu meia dúzia de livros por achar que a letra mata, além de, sobretudo, acreditar que fala as línguas dos anjos (no plural). Lá no clímax do debate, o cético de merda se vira para o crentelho e diz: "Mas se não há provas da existência de Deus, não é razoável crer nele" (Ora bolas, a ausência de evidência não pode ser jamais a evidência da ausência), ao que o pseudoapologeta responde: "não existem provas porque Deus quer testar a sua fé. Ele quer que você creia nele sem se utilizar da razão" (quer dizer, agora, que a ausência de evidência é a evidência?). Façam-me o favor!

Como você poder enxergar, compreender como a guarnição de suas crenças deve se comportar diante de ataques, desafios e indagações, é importantíssimo. Não porque você se encontrará futuramente em debates televisionados, podendo, a qualquer momento, passar pelo maior dos vexames de sua existência, mas porque a arte de argumentar é exercida no âmago de nossa rotina diária. Quando você vai ao açougue comprar cupim, quando discute com a mulher sobre o próximo filme a assistir, quando conversa com o gerente sobre as marcação das férias pra dezembro, quando seu filho insisti com você sobre o brinquedo da propaganda, em todas estas ocasiões, um bom arsenal de razões bem fundamentadas é imprescindível. Aprenda, portanto, o caminho da crítica textual coerente, da interpretação holística dos fatos e da avaliação profunda das ideias e você se sairá bem em qualquer segmento da vida.

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