O Brasil estupidificando o Brasil

Deliciando-me com “A República”, uma obra irrepreensível escrita por Platão, aprendi que o termo “arte” para a semântica grega consistia, o que seria para esta geração, numa vulgarização de seu sentido atual, posto que lá na Grécia eles estendiam sua definição a todos os ofícios possíveis à época. Assim, a medicina, a ginástica, a carpintaria, a navegação e tutti quanti eram artes em sua concepção mais digna.

E sejamos íntegros: quando uma cultura qualquer categoriza seus elementos artísticos como “dignos”, a referência imediata que um cérebro adulto deve fazer a respeito é com a capacidade que estes elementos têm de ser apreciados como belo, coerente, provocativo, impactante ou inovador (estes três últimos, de maneira positiva, é claro), virtudes estas que jamais estiveram presentes nos rebolados, encochadas e letras do funk brasileiro.

E não venha me contestar papagaiando que isto é questão de gosto. “Gosto”, meu amigo, é a manifestação da liberdade que a mente tem de preferir uma coisa em detrimento de outra. Você pode até gostar, como um cão adora lamber o próprio saco, de toda a expressão do funk, mas quando confundir isto com arte, estará se enveredando na mesma tolice que uma criança comete quando ao ver um saco de boxe, logo pensa que se trata de um bexiga gigante de mortadela.

Trago este assunto à baila por ter sido surpreendido – e não sei como isto ainda é possível – pelo teor progressista e desconstrutivista (parece até um paradoxo) que a prova do último ENADE, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, aplicado a alunos de curso superior, revelou-me em seu conteúdo. Como se já não fosse absurdo suficiente preencher até o talo uma prova oficial do MEC com ideologia de gênero e de raça e até com uma flexibilização no trato com pichações urbanas, a banca do INEP pediu, na cara dura, uma dissertação que concebesse o funk como patrimônio cultural deste país.

Foi instantâneo: tão logo vi aquela proposta de redação, recordei-me das palavras carinhosas do Olavo: “A mentalidade desta gente faria os porcos vomitarem se lhes fosse servida no coxo.” Com “gente”, o grande Olavo de Carvalho quis se referir àqueles sujeitos que, neste caso, ignorando o fato inconteste de que os funkeiros em atividade fazem apologia descarada ao sexo sem vínculo e sem proteção, às drogas (lícitas ou ilícitas) para todos os paladares e olfatos e à legitimação de crimes cuja a experiência da favela os torna inculpáveis, eles planejam elevar este estilo musical à qualidade etérea de produção educativa.

Ora, pra quê você pensa que se presta a arte senão para extrair da realidade ou da imaginação objetos abstratos, que somente sozinhos, podem ser eficazmente contemplados pela emoção e compreendidos pela razão, a fim de que estas duas esferas do cérebro sejam educadas para o seu progresso? Se você não consegue aprender nada com o Djavan, se um seriado de J. J. Abrams, um quadro de Da Vinci, uma estátua de Aleijadinho ou os movimentos de uma bailarina russa não te sacodem, não te arrepiam e não lhe ensinam nada sobre viver, ou você é uma cadáver que ainda respira ou, na melhor das hipóteses, é só um idiota sem precedentes na humanidade.

O funk é apenas mais umas das abrasileirações que alguns civis malandros desta nação perpetraram a partir da importação de itens de cultura estrangeira (geralmente a americana). Já imaginou se no além para onde o lendário James Brown partiu, fosse lhe apresentado o “funk ostentação” como a sucessão latina de seu trabalho em vida? Seria uma reação agonizante pra ele saber que suas músicas eletrizantes que levavam seus fãs ao delírio, transformaram-se, em um povo não tão distante, num meio depravado de seus jovens se entregarem às suas vis inclinações.

Mas não se preocupem. Eu fiz a minha parte. Redigi a dissertação com o mesmo respeito com o qual o Neymar se dirige aos seus adversários em campo: sem reverência, sem piedade, sem modéstia. Não me acanhei diante da vulnerabilidade daquela circunstância. Fiz uma efêmera comparação de algumas rimas do funk nacional com a complexidade apoteótica existente em um concerto qualquer da Orquestra Filarmônica de Moscou. Aí finalizei, respirei fundo, dei um sorriso de canto e pensei comigo: o examinador desta prova vai pirar! 

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